Centenário de Maria Sabina
Há um
século, na cidade de Barbacena, Estado de Minas
Gerais, a 6 de dezembro de 1898, nascia aquela que se
tornaria declamadora famosa, poetisa exímia,
feminista inteligente, professora consagrada da Arte
de Dizer, intelectual respeitada e admirada: MARIA
SABINA.
Com as
irmãs, Maria das Graças e Sylvia, e os pais Dr.
João Pedro de Albuquerque - médico - e D. Marietta
Ramos de Albuquerque, aos seis meses, passou a
residir em Queluz de Minas, atualmente Conselheiro
Lafaiete, onde foi batizada.
Em suas
memórias, Maria Sabina nos conta:
De
repente, no inverno de 1904,
simultaneamente,abateram-se sobre a pacata cidade
duas graves epidemias de coqueluche e sarampo. Foram
atingidas praticamente todas as crianças, inclusive
nós três e meu priminho Mário, de nove meses, que
estava em nossa casa com os pais, meus tios e toda a
família de meu avô, como faziam anualmente. Meu pai
não parava um minuto atendendo aos seus em casa e a
todos os pequenos clientes.
Sylvia
foi a última a adoecer e a primeira a ser levada por
Deus, em apenas doze horas de enfermidade. Atingidos
brandamente, eu e meu priminho sobrevivemos, enquanto
Maria das Graças, após uma luta de vinte dias,
também falecia atacada de pneumonia dupla.
Nessa
tragédia familiar, uma ironia pungente: meu pai
atendera a mais de cem crianças. Só morreram cinco,
e duas eram suas filhas!...
Dois
dias depois do sepultamento, meu avô levava toda a
família definitivamente para sua casa da Praia de
Icaraí.
Era
esta parte de minha vida que eu repelia da mente com
verdadeiro bloqueio mental, até o nascimento de meu
irmão, em 1906. Novas vistas abriam-se então no
horizonte da minha infância.
Com a
transferência para Niterói, em 1904, Maria Sabina
veio a ser vizinha do futuro Presidente da
República, Dr. Nilo Peçanha. Mais tarde, 1910,
mudou-se, com os pais para o Rio de Janeiro. Aos onze
anos, a menina que moldou o caráter no aconchego do
lar paterno descobriu seus pendores poéticos e
começou a escrever.
Dotada de
inteligência invulgar e de memória prodigiosa,
sempre se destacou em todos os colégios e cursos nos
quais estudou,
especialmente nos exames orais.
Diplomou-se
em Arte de Dizer no Curso Ângela Vargas e
fez curso de aperfeiçoamento na Comédie
Française.
Recitalista
profissional, de 1924 a 1948, apresentou-se nos
principais teatros brasileiros. Muitos anos depois,
em 1971, no Teatro Gláucio Gil, Rio de Janeiro, fez
um recital de despedida, dizendo poemas seus, em
comemoração aos Cinqüenta Anos de
Poesia.
No Rio, a
10 de abril de 1921, fundou um curso, ao qual deu o
nome de Olavo Bilac, por quem nutria grande
admiração, pois, embora jovem, sabia reconhecer a
grandeza do poeta. Tal curso tinha algumas filiais e
funcionou, ininterruptamente, durante setenta anos.
Maria
Sabina diplomou centenas de declamadoras que souberam
propagar a poesia - algumas ainda o fazem - nos
teatros, salões, academias de letras e outras
entidades culturais.
Doutora
em Letras Inglesas pela Universidade de Cambridge,
exerceu o magistério por toda a vida. Lecionou
Francês, Literatura Universal, Arte Poética e
Oratória. Jornalista, integrou a Associação
Brasileira de Imprensa após 1930.
Interessada
no movimento pela Igualdade dos Direitos Políticos e
Civis da mulher e do homem, ingressou, em 1928, na Federação
Brasileira pelo Progresso Feminino, fundada no
de ano 1922 pela Dra. Bertha Lutz. Integrou sua
diretoria desde 1932, tendo exercido a presidência
daquela instituição por vários períodos, a partir
de 1976. Esse movimento conquistou para a mulher o
direito ao voto e outros assegurados nas
Constituições de 1934, 1946 e 1964, como o direito
ao trabalho.
Nomeada
pelo Governo Brasileiro Delegada do Brasil na
Comissão Interamericana de Mulheres da OEA, honrou
suas atividades, durante dezenove anos, no Programa
do Itamarati. Representou o Brasil, por onze vezes,
na Organização dos Estados Americanos, fazendo
palestras e defendendo idéias.
Pouco
chegada a grupos literários devido à falta de tempo
para uma colaboração efetiva, participou, contudo,
de algumas Academias de Letras e sempre teve seu nome
indicado por acadêmicos. Jamais se candidatou.
É
Patrona da Cadeira nº 37 da Classe de
Correspondentes da Academia Barbacenense de
Letras, para a qual tive a honra de ser eleita.
Maria
Sabina deixou vasta e importante bagagem literária.
Seus livros, sempre elogiados pela crítica,
infelizmente estão esgotados.
Em poesia
escreveu: Na Penumbra do Sonho (1921); Água
Dormente (1925); O País sem Caminhos
(1931); Entusiasmo (1938); Canto do
Tempo Trágico (1946); Canto Solitário
(1964); Seqüência do Sonho (1971); As
Testemunhas - Romance do Tempo que Passou,
contendo 1361 versos (1986).
Em prosa
publicou Alma Tropical (1928) e as
Biografias de Adolpho Lutz, de João Pedro de
Albuquerque e de Joaquim Gonçalves Ramos.
Por
serviços prestados à causa da mulher e pela
divulgação da poesia, foi condecorada com a Ordem
do Mérito de Rio Branco, Brasilia - 1980.
Recebeu,
no dia 8 de maio de 1986, o Título de Cidadã do
Estado do Rio de Janeiro, outorgado solenemente
pela Assembléia Legislativa, no Salão Nobre do
Palácio Tiradentes, e, posteriormente, foi-lhe
entregue, na residência, por estar enferma, o Título
de Benemérita do Estado do Rio de Janeiro.
Maria
Sabina é patrimônio cultural da nossa terra.
Homenageá-la, divulgar seus poemas, cultuar-lhe a
memória é reconhecer, como preito de incontestável
justiça, a grandeza da mulher que se notabilizou
pelo saber e pelo trabalho. Dedicou a vida à
literatura, escrevendo, interpretando, ensinando,
enfim, amando a poesia.
Discípula
de Maria Sabina e sua admiradora incondicional,
sinto-me emocionalmente impelida a louvar e exaltar a
figura dessa respeitável mineira.
Personalidade
forte, poetisa sensível, declamadora notável, tinha
elevado amor à Pátria. Poucos poetas brasileiros
que se dedicaram à poesia patriótica o fizeram com
tamanho fulgor.
Maria
Sabina de Albuquerque não parou no tempo. Mesmo
depois dos oitenta anos, continuou produzindo
belíssimos poemas e escrevendo suas memórias sob o
título Eu me lembro..., que não concluiu.
E eu me
lembro de suas lições, de seu esplêndido curso de
Literatura Universal, de seus conselhos e de seu
exemplo em todos os sentidos.
Relembro
ainda o dia em que, no Teatro Municipal de Niterói,
ao final da prova pública, à qual me submeti, que
constou de um recital com interpretação de vinte e
uma poesias, de vários gêneros e de diversos
autores, orgulhosa e emocionada, recebi de suas
mãos, o cobiçado Diploma de Arte de Dizer
(Declamação e Dicção).
Para
perpetuar seu nome e conviver com pessoas que amam a
poesia, fundei, em 24 de junho de 1961, em Niterói,
um curso de Arte de Dizer a que dei o nome Curso
Maria Sabina.
Qualquer
Estado sentir-se-ia orgulhoso de ter, como filha, a
extraordinária poetisa/declamadora falecida, aos
noventa e dois anos, no Rio de Janeiro, dia 17 de
julho de 1991.
Homenagearam-na:
o Governo Brasileiro, o Governo Fluminense e, dentre
inúmeras Instituições, a Academia Brasileira de
Letras, a Academia Fluminense de Letras, a Academia
Barbacenense de Letras, a Associação Niteroiense de
Escritores, o Centro de Estudos Literários de Juiz
de Fora, além de personalidades importantes do
País. A estas, junto a homenagem do Centro Cultural
Maria Sabina, de Niterói, proclamando suas virtudes
e recomendando a leitura de seus livros.
O Brasil
pode ufanar-se de ser o berço de MARIA SABINA DE
ALBUQUERQUE, e a mulher brasileira, de tê-la como
exemplo, face às conquistas para a classe feminina.
A filha
de Barbacena soube despertar o gosto pela Arte de
Dizer, legando à sua geração e às gerações
futuras algo que o tempo não apagará: a certeza de
que não podemos viver sem Poesia.
Fontes:
Arquivo da autora deste perfil biográfico
comemorativo.
NEIDE
BARROS RÊGO É ocupante da Cadeira nº 37,
patronímica de Maria Sabina, na Classe de
Correspondentes da Academia Barbacenense de Letras.
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