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Academia Barbacenense de Letras - ABL

Georges Bernanos

George Bernanos - reproduçãoO escritor francês Georges Bernanos (1888-1948) residiu em Barbacena entre os anos de 1940 e 1945, imortalizando o nome do bairro em que morou numa de suas obras: "Cruz das Almas". Seu sítio foi transformado em museu. Autor respeitado internacionalmente, levou o nome da cidade para o exterior através de cartas que escreveu durante a 2ª Guerra Mundial. Seu livro "Sob o Sol de Satã" foi adaptado para o cinema.

Georges Bernanos já havia se decidido a voltar à França, atendendo a um chamado do general De Gaulle. Deixaria para trás Barbacena e sua pequena casa. E o fato o incomodava. Prova disso está nesta carta escrita ao Comando da 4ª Região Militar, onde demonstra sua preocupação com a casa, na rota de uma grande desapropriação. Mais que um pedido, a carta acabou se tranformando numa declaração de amor à casa da Cruz das Almas:

"Meu Coronel,

Acabo de saber que os serviços de engenharia da Quarta Região Militar teriam em mente a desapropriação da minha pequena propriedade da Cruz das Almas, em Barbacena.

Se eu acreditasse ser esta expropriação indispensável aos interesses que vos são confiados, não me permitiria intervir. Fui eu mesmo soldado, fiz a guerra, sei perfeitamente o que significa para um militar a execução de uma ordem. Tenho razões, entretanto, para esperar que o problema não se apresente com tanto rigor. No meu país, a Justiça Militar, a despeito do código inflexível, sempre passou por mais compreensiva, mais humana que a justiça dos homens da lei. É com essa compreensão e sentido de humanidade que conto agora.

Moro na Cruz das Almas desde 1940, ou seja, desde o desastre de meu país. Aí, pois, muito sofrí, aí também muito trabalhei. Daí vi partir sucessivamente para a Europa e para a guerra meus dois filhos e meu sobrinho. Aí viví pobremente com minhas três filhas e meu último filho, consagrando quase tudo o que havia ganho a aumentar e embelezar minha casa, não para torná-la uma propriedade de granfino, mas algo que se assemelhasse a um sítio de nossa terra, que ficasse depois de mim como uma modesta lembrança da França no Brasil.

Meu grande desejo era vendê-la a um amigo que a amasse como eu mesmo a amara, que aí visse crescer seus filhos como eu vira os meus. Digo "vendê-la" porque esta casa é tudo quanto possuo e porque, chamado pelo General De Gaulle, que considera, segundo os termos de seu último telegrama, minha presença em Paris indispensável, é-me necessário contar com o preço desta venda para assegurar a partida dos meus e sua instalação na Europa, pois não sou um funcionário e sim um escritor absolutamente livre que pretende guardar sua independência face a qualquer governo, e que não saberia consequentemente aceitar, nem retribuições, nem serviços. Eu achara o que procurava, um comprador e um amigo. Sem vossa generosa intervenção, o projeto dos Serviços de Engenharia da Quarta Região Militar ameaça tornar tudo isso inútil.

Antes de vir assumir seu posto no Rio, quando de sua partida para Londres, o novo embaixador da França no Brasil, o General De D'Astier de La Vigerie, dignou-se - como os jornais provavelmente vos informaram - agradecer ao Brasil por ter sido para mim uma segunda pátria, por me haver fornecido o rincão de terra livre onde pudesse continuar a trabalhar. Peço-vos insistentemente, meu Coronel, em meu nome como no dos meus - mais particularmente daqueles que se batem - não permitir que sejam destruídos, sem absoluta necessidade, este asilo, esta lembrança que tanto apreço tem para nós.

Rogo-vos aceitar, meu Coronel, a certeza de minha gratidão e de meus sentimentos de elevada consideração."

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